sábado, 6 de novembro de 2010

Encontros e outros sonhos

Vinha lendo A trombeta de vime (César Aira) e encontrei um trecho que se dirigia a meu estado de espírito, que reautorei aqui: Estava deprimida, sentia a inutilidade de tudo, olhava à volta desconsolada por não encontrar fora o que não encontrava por dentro; é verdade que poderia ser resultado de cansaço, que injeta um terrível veneno na sensação de prazer e alimenta a sensação de melancolia. Mas, subitamente, quando achei que não haveria saída para essa questão, descobri em mim o desejo de contar histórias. Diz Aira: "Penetrou em mim, e tudo começava. Quem sabe de onde viera. Pouco importava! Ela não precisava nem sequer tomar forma, embora na Literatura a forma seja tudo. Bastava-lhe deixar que em volta do ponto encefálico onde se alojara, como um espinho cravado no pé, se espalhasse seu chá de êxtase. O velho mundo que um minuto atrás me dizia seu desalentado "para quê?”, agora me sussurrava um risonho "você pode"". Foi pensado nessas coisas que vi quando as duas figuras coloridas chamaram a atenção de Bárbara em meio às poucas pessoas que ainda caminhavam pelo jardim. Atrás das árvores, conversavam, trocavam olhares e risos, enquanto esperavam por ela. A aproximação de Bárbara fez seus sorrisos se esvanecerem, e, por trás dos olhos, os tons de curiosidade brilharam. Bárbara aproximou-se lentamente, e provocou seu olhar de curiosidade de volta. Abriu a boca, sussurrou algo incompreensível, mas que deveria ser um cumprimento, e baixou os olhos. Cumprimentaram-se, Bárbara levantou os olhos e olhou bem dentro daqueles quatro inquisidores pássaros sazonais que pareciam não querer compreender, mas estudar. Os sorrisos se abriram, os braços se abriram, os abraços quentes se espalharam. O medo foi se dissipando, a desconfiança se desmanchando entre as pétalas brancas que os lábios disfarçavam. Sentaram-se à vontade, como se o tempo e a distância não existissem. Histórias fluíram como se fossem verdades, e as verdades fluíram como se fosse histórias. As invenções do passado, aquela eterna verdade. Bárbara sentiu a nuvem se dissipando e sentiu a maciez das peles. Os cheiros, as marcas, as roupas que escondiam corpos sociais, nada lhe passou despercebido. Regou as plantas do jardim, plantas há tempos cultivadas e crescidas. Sentiu-se feliz por tê-las cultivado, o tempo só as fez mais belas e mais humanas. A proximidade das figuras coloridas desfez a insensatez e permaneceu sentada a sorrir, a escutar, a contar, a trocar. Houve quem pensasse um ser indivisível, tão próximas em um momento. Os pássaros se aninharam tranqüilos nas gaiolas, alimentados. Na hora da despedida, o docemacio dos botões se tocaram. Era hora da despedida. E foi então que me despedi, e senti que minha trombeta de vime disparou seus sons em direção à minha torre de marfim.

Um comentário:

  1. Belo excerto! Fiquei pensando no poder ou potência do imaginário... Quando nos sentimos tristes, sós e limitadas/os, sempre seria bom lembrar que temos estas asas! Beijinhos pintados e alados, amiga Bau.

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