domingo, 24 de abril de 2011

Recuerdos

É gostoso viajar no tempo. Estou em São João da Boa Vista, visitando minha mãe que está hospitalizada. Entre idas e vindas do hospital, onde ela se recupera bem, muitas lembranças me assaltaram. Lembranças boas, momentos de infância, família enorme, todos reunidos para as festas e férias na casa de meu avô. Minha mãe nasceu aqui, e aqui passamos boa parte de nossos momentos de lazer na infância.
A casa, antiga, tinha degraus de mármore branco na entrada, e portão de ferro com as iniciais de meu bisavô Capitão José Alexandre. 
 (Festa da família - 2003)
O jardim lateral, sob os olhos de uma comprida varanda de ladrinhos, tinha um pequeno tanque de peixinhos, diversão da meninada. Muitos tios e tias e primos e primas, e um sem fim de visitas. O chão da casa era de tábua corrida, encerada com óleo, os cômodos grandes, a mesa da sala de jantar enorme e sempre acolhedora. Na parte dos fundos, ficava a cozinha, onde o falante papagaio Mulata cantarolava ao som das frituras de Inês, nossa governanta, cozinheira, amiga. Dela guardo como recordação, até hoje, uma toalha de crochê que me deu de presente em meu primeiro casamento, há 31 anos.
Da cozinha, podíamos descer pela escadaria do quintal. Ali era nosso refúgio e o lugar que mais marcaria minhas experiências de vida, de companheirismo, de fidelidade, de amor. Primos e primas nos fartávamos com as frutas - principalmente mangas e jaboticabas. Subíamos nas árvores, que eram nossas naves espaciais, entrávamos no galinheiro proibido (era velho demais). Uma tarde entrei e uma das varetas se quebrou. Minha perna ficou presa e eu, pequena e medrosa, chorei muito, até que minha madrinha me tirou dali. Eu, com certeza, me assustei muito, pois me lembro bem disso. Gostávamos de entrar nos cômodos antigos do porão e mexer em tudo, papéis de comércio antigo, móveis, sempre uma arte nova. Meus padrinhos ficaram morando na casa depois da morte de meu avô, e criavam galinhas e patos. Meu padrinho tinha um galo de estimação, o Coronel, que corria atrás de nós. Morríamos de medo do Coronel, com sua imponente crista.
Um lugar que eu curtia muito era um quarto dos fundos da casa onde havia uma estante cheia de revistas de fotonovelas. Sempre fui grande leitora, e adorava ficar por horas a fio lendo e sonhando os sonhos daquelas figuras em preto e branco que sofriam por amor, onde, no final, os amantes se encontravam, eram felizes para sempre, e o mal era sempre punido. 
Em frente à casa, a praça Joaquim José, a principal da cidade na época. Uma linda praça, que também virava casa, abrigo, lugar de jogos, brigas e riso. Meus joelhos guardam até hoje as marcas dos tombos na estátua central.
Perto dessa praça, a igreja matriz, onde minha irmã mais nova e eu fomos batizadas. Me lembro de meu batismo, eu já era grandinha, uns 4 anos, talvez. Lembro-me de nossas madrinhas queridas, Tia Ruth, madrinha da Belê, e Tia Eny, minha madrinha. 
Ali também se ergue, até hoje, um imponente teatro municipal, hoje reformado, lindo. Um dia, em uma sessão de cinema, ganhei meu primeiro beijo. Claro que detestei, eu devia ter uns 10 anos. Mas nunca mais esqueci. A doçura da memória ficou. Ao lado do cine-teatro também tomávamos sorvete e comprávamos chicletes de tuttifrutti. Delícia!! Ping-pong!
E falando em ping-pong, ainda nos divertíamos muito na Esportiva, com sua recém inaugurada piscina olímpica, e onde cheguei a ser convidada a treinar para competir com a equipe de natação.
São João tinha, então, uma excelente equipe de nadadores e tenistas, sempre ganhando os primeiros lugares dns competições. Foi um orgulho imenso receber o convite, mas eu era muito jovem, e não morava aqui. Foi inviável, mas como eu disse antes, a doçura da memória ficou. 
Deliciosos bailes de carnaval na Esportiva, mesas de ping pong (a gente não chamava de tênis de mesa), amigos e amigas, conversas, brincadeiras. Aproveitei muito esse tempo.
E os Natais? Todo o mundo vestido no melhor estilo, presentes sob a árvore de Natal numa sala onde não podíamos entrar, pois era a sala de visitas, onde ficava o piano. Só entrava ali quem estudava piano. E as visitas, claro. Mas na noite de 24 de dezembro nós entrávamos em fila, com um dos bonequinhos do presépio nas mãos, cantando noite feliz, à luz de velas, para depois abrirmos, ansiosos, nossos presentes. Depois, o jantar com cozido, bacalhau, polvo e sei lá mais o que, tudo cheirando a azeite de oliva. Uma casa portuguesa, com certeza. 
Hoje, no lugar da casa, se ergue um prédio de não sei quantos andares. Pena que a construção anterior perdeu seu espaço para a especulação imobilária, para a "modernidade".  Mas a arquitetura, o cheiro, as primaveras, as laranjeiras, as mangueiras, o limoeiro, e tudo o que vivemos lá continua lá, entre os alicerces do novo edifício. Sangue nosso correu ali, e ali continuará pelos tempos.
Lembranças podem também trazer tristeza, mas hoje me trouxe grande alegria. Foi uma delícia reviver esses momentos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário