sexta-feira, 2 de outubro de 2009

em volta do meu umbigo

O sol sai e parece que meu mundo abre. Tempo frio europeu me mata entre dúzias de dores e não sei o que fazer com isso, que pesa tanto. A casa fica grande demais, no minuto seguinte fica pequena demais, deixo o quarto desarrumado, a casa sem varrer, não passeio com as cachorras, bem coisa de gente depressiva. Por que levei a vida inteira negando? Acho que a negação é medo. Como pesa ser mulher, como pesa ser mãe, como pesa ser mãe lésbica, como pesa ser professora lésbica, como pesa ser professora, mulher, lésbica. A pressão social embutida em tudo pesa. Como pesa a censura das lésbicas, que é tão pesada quanto o peso da censura heterossexual, talvez até mais, pois a gente percebe que não faz parte de um grupo que se defende, mas um grupo que se vigia, igual a qualquer outro grupo social. Sair do armário e viver coerentemente é difícil, quase impossível. Consegui coisas incríveis, mas perdi muita coisa pelo mundo por tentar viver coerentemente. Dizem que não vale a pena sofrer por isso, são coisas que não servem para nós, mas sofro, sim, porque gostaria de ser igual a todo o mundo e poder viver em todos os espaços inteiramente. São pensamentos, são desejos.
Tenho coisas aprendidas com minha mãe que são muito legais, sabe. Ela tem uma generosidade bacana, se vê alguém na rua em dia de chuva, pára o carro, leva a pessoa seja lá onde for. Aprendi isso com ela, e algumas vezes faço o mesmo. Passei muito tempo sem carro e todos os dias uma colega de trabalho e eu pegávamos o mesmo ônibus, moramos perto. Quando Cintia e eu compramos o carro, eu ofereci para trazê-la; ela e mais uma aluna e mais uma amiga, todas pegavam carona comigo. Um dia a moça estava no carro sozinha e me perguntou sobre minha vida sentimental, eu contei que era noiva de uma mulher, que íamos nos casar. No dia seguinte ela me passou um torpedo agradecendo e dizendo que não podia mais pegar carona comigo, que de agora em diante o marido a buscaria no trabalho. Bem, chegando perto de casa eu a vi subindo a rua à pé. Passei por ela direto, me perguntando o que faz uma pessoa reagir assim: ou minha sexualidade mexeu com ela, ou o marido acha que lésbicas são um perigo em potencial. Engraçado, eu nunca perguntei a ela sobre sua vida sentimental...falávamos sobre receitas, churrasco, cervejinha, filhos, drogas,trabalho, coisas da vida, enfim. Por isso eu digo, pesa. Pesa muito.

6 comentários:

  1. Um grande beijo e um abraço bem apertado de alguém que te admira por toda sua força. Esse peso é bem maior para aqueles que se munem de preconceitos, nunca se esqueça disso. Vc é mulher, professora, lésbica. Vc é sorriso, lágrimas, agitos, amigos. Vc é receitas, pensamentos, passeios, aprendizado. E td isso pesa. Mas então colocamos na mala com rodinhas do amor, e fica menos desconfortável esse peso todo.
    bjos!!!

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  2. Bauzinha querida, que saudades! Eu conheço bem a sua generosidade, vc que me hospedou na sua casa tantas vezes e com tanto carinho! Claro que, se eu soubesse que vc era lésbica, teria feito como essa moça pra quem vc deu carona e não ficado na sua casa jamais! Eu nem sabia que corria perigo de vida. Ha ha, só rindo mesmo. Eu fico pasma com gente que acha que lésbicas atacam toda e qualquer mulher (assim como gays atacam todo e qualquer homem). Pô, se a gente for se basear nessa mentalidade tacanha, pessoas não podem ser amigas de ninguém, porque a sexualidade sempre vai interferir. E isso é besteira, como a gente sabe.
    Mas Bau, vc parece deprê nesse post. Fica não! Espero que esteja tudo bem contigo. Vi que vc desistiu de um concurso em João Pessoa. Já já aparece algo bem sob medida pra vc.
    Te adoro, querida!

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  3. Queridas! O tempo sempre interfere um pouco em meu humor, e meu azedume em relação à postura de algumas pessoas amigas - para meu espanto! - e essa conhecida acabaram vindo à tona numa dessas... Nossa, Lolinha, vc imagina só o perigo que correu? Silvinho, socorro!!!hauhuahua. Gente, só mesmo sendo lesa/o para não perceber o tamanho da besteira! É isso, a sexualidade tem um peso que proibe a amizade sincera. Proibe e pune, o que é pior. Agora tenho um pouco de medo de oferecer carona para as pessoas da vizinhança, na real, fiquei mesmo com medo, achando que poderiam me acusar de assédio por oferecer carona. As pessoas andam tão loucas...acho que estou pegando um pouco da nóia. Isso é normal, não? Se a gente se sente agredida, tem medo. Sei que as pessoas estranham uma oferta espontânea. Mas é porque o mundo nos oferece apenas isso...individualismo...o medo toma conta de tudo.
    Desisti do concurso porque achei que não daria conta da teoria, e neste momento acho que fiz bem. Seria uma tentativa leviana de minha parte, eu satisfazia os requisitos legais, mas não dava conta da parte teórica. Eu chego lá! Beijos! Saudade!

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  4. bauzinha...sustentar os desejos e ser é o que muitas poucas pessoas conseguem . Por isso que a felicidade é para poucos, para quem tem culhão,e para quem consegue sustentar tesão.
    como você.
    e que enche o saco, dá votade de matar, se matar, se acabar no repolho , na gastrite, na cerveja...
    e se conselho fosse bom a gente....
    mas eu aconselho: muito prazer com quem vc quiser e do jeito que vc quiser.sempre.
    e que apesar dos pesos tantos, nem às vezes, a gente não se esqueça que a vida de cada um diz respeito a cada um
    e que se explodam e gastem a sola dos pés na escuridão da ignorância, burrice, pouca felicidade e horizontes curtos.
    que seu carro continue te levando para o além, assim como seu gozo e suas escolhas...bancadas e assumidas! pra quem consegue e pode. para poucos.

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  5. Bauzinha, acho que vai ser difícil esquecer uma das primeiras vezes que me dei conta da dimensão da sua simpatia. Foi quando a gente, da turma da Eliana, se reuniu num barzinho. Ok, posso não lembrar direito do barzinho ou de quem apareceu ou de quando foi, mas lembro de vc num posto de gasolina naquela noite. Não era um posto do lado do barzinho? Enfim, vi vc com aquele sorriso enorme e contagiante, sendo hiper simpática com os frentistas. E da forma mais natural possível (porque, convenhamos, tem gente que se esforça pra ser simpática—e acho isso louvável, porque é muito mais legal ser simpática que antipática—, mas pra vc não exige esforço algum). E, sabe, não era porque vc estava paquerando os frentistas. É só que vc é desse jeito sempre. Ter que mudar o seu jeito de ser (que, no seu caso, causa um bem enorme à sociedade) só pra não ofender pessoas estúpidas é uma violência sem tamanho. Não muda não, Bauzinha! Continue oferecendo carona e deixando o pessoal pensar que vc é uma Casanova incorrigível!

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  6. Querida! Você é especial, Lola, querida, aliás, não posso reclamar, não, estou cercada de pessoas muito bonitas e amadas! Beijos enormes.

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